por Shirlei Zonis

Não há nada mais presente como tema dos debates e projeções nestes dias de quarentena do que a casa. Como serão os espaços no pós-quarentena, se é que haverá um pós (alguns dizem que entraremos numa quarentena rotineira, mais light, mas ainda assim, quarentena).
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Uma amiga me contou que lá na Itália, quando abriram as lojas, os produtos mais procurados foram os da casa. Foi uma correria atrás de utensílios, mobiliário e afins. Claro, com tanto tempo para estar dentro, as demandas surgiram.

Aqui em casa fizemos uma limpa em tanta coisa que estava guardada sem sentido, que o compartimento de lixo andou cheio por muitos dias. E observei que não fomos os únicos. Isso sempre abre espaços para arejar e ressignificar o ambiente.

Faço várias apostas em quais serão os principais alvos nesta mudança. A área de serviço para higienização, o home para ser o cineminha (que saudades do telão do Roxy…), o home office que não existia formalmente e agora virou o point mais frequentado. A ventilação que será mais observada, os materiais, que serão mais afeitos a assepsia diária. Casa-aconchego, casa-cinema, casa co-working, casa gourmet, enfim, novos paradigmas.

Menos badaladas que essas projeções, são as questões subjetivas da casa. Afinal esse lar, que até bem pouco era passagem, dormitório e encontro dominical, virou continente por (até o momento) 3 meses inteiros…

A casa que sempre foi, se revela sintoma. Casa-sintoma.

Depois de uma tarde de higienização, (dia de supermercado é aquele que já era chato antes, mas agora tornou-se o pior dia da semana) canto um mantra e vou em frente.

Penso no quanto dentro é a palavra-chave deste momento. A casa enquanto estar, estar dentro, todo o tempo, deve se apresentar de várias maneiras para cada um. E, se for um grupo, então, para cada constelação. Adquire uma importância ainda mais singular, terá que fugir dos padrões. Para nós que trabalhamos nessa parceria transformadora, as demandas do cliente serão ainda mais sagradas. Demandas continentais.

Essa super presença no dentro ajudou a deflagrar espaços que nunca foram tocados, porque estávamos de passagem, por falta de tempo, resistência ou negação, e estão agora desnudos.

Fechamos os olhos para eles?

Todo o tempo me vem a cena Noé e sua arca depois do dilúvio, quando dela saem toda a sorte de pares, os animais salvos da catástrofe. Confesso que tenho me identificado muito com estes sobreviventes, os bichos…, mas ainda na arca, sem saber como será o desembarque e o que fazer no futuro contato com o novo normal. Até porque normal já é algo bem difícil de alcançar, um mistério…novo então, uma aventura.

Você tem um cantinho só seu dentro de casa?

Dá uma chegadinha lá para refletir, aproveitar essa boa oportunidade e buscar entender aquilo que estava escondido.

Como está o seu divã nessa quarentena?

Shirlei Zonis
Arquiteta e autora do livro Arquitetura no Divã – a Quarta Dimensão do Espaço da Editora Olhares.